Previously, in Lost this blog, buzz ou onde quer que vc esteja lendo essa história…
Saí de Denton rumo a Phoenix;
A viagem teve direito a figuras estranhas, velhos assustadores, encontro com a imigração, franceses tagarelas, um sanduíche de frango estragado e um dinossauro no McDonald’s. 25 horas depois de sair de Denton, finalmente eu chegava em Phoenix, pronto pra ir pro albergue e descansar…
Ninguém na rodoviária sabia me indicar qual ônibus deveria pegar pra chegar no albergue, e sugeriram falar com um motorista de Táxi. Perguntei ao Taxista… isso é do outro lado da cidade, deve custar uns 50 dólares pra me levar lá, pelo menos.
…
Onde pego o ônibus? Ali. Qual eu pego? Nem idéia, pergunte ao motorista. Nessas horas, uma coisa massa é o sistema de transporte americano. Quando cheguei na parada, na placa com o sinalzinho do ônibus, tinha o telefone da central. Usei o restinho de bateria do cel pra ver se tinha resposta do albergue, que eu tinha mandado e-mail perguntando como chegar lá. Nada. Aí liguei pro número na parada de ônibus. Falo com uma moça, digo onde estou, e onde quero chegar: Buckeye com 24th, quero ir pra Sequoia Drive. Ok, espere um momento; pegue o ônibus 15, indo pro oeste e que vai passar aí às 11:26, e desça na Dunlap com 19th ave. De lá, pegue o ônibus 90, ás 12:39, indo pra leste até a Cave Creek Rd e desça na Marco Polo. Anotei tudo em papel, e bora embora…
Notas: primeiro, os diabos dos ônibus chegaram todos no horário – e, no dia seguinte, eu vi o motorista parar o ônibus e anunciar pelo microfone que estávamos parados porque ele estava adiantado no horário, e ele tinha que esperar dar a hora pra poder sair. Segundo, a tecnologia é tão massa que eu posso ir agora, mais de um mês depois, no google maps e no sistema de transporte de Phoenix, e rever exatamente o que fiz… Preço total US$ 3,50. Pense na economia!
O itinerário completo…
Duas horas e meia, um bife teriaki no Jack in a Box e dois ônibus depois, desço no lugar que teoricamente eu deveria ir. Mas sabe aquele detalhezinho que você não anotou? Pra que lado é o albergue mesmo??? Lá vou eu rodar… e nada de achar o lugar, e ninguém sabe onde é o albergue, ninguém conhece a rua… perguntei até a uma mulher dos correios que encontrei por lá. E nada.
Agora deu. Sem cel, sem saber onde ir… Hora de ser cara de pau. Fui até um McDonald’s que vi ali por perto, pedi um café (sim, bizarro, né?), sentei perto duma tomada e botei o cel na parede. Bora carregar. Minutos depois, o cel me mostra o caminho (obrigado, meu bom Google Maps). Agora eu acho…
Ou não. Quando estou subindo o caminho, vejo duas casas em um morrinho: uma que parece um caixote de concreto, e outro casarão bonito, com um sol na frente. Novamente, o GMaps vai me deixar ser enxirido e mostrar exatamente o que eu estava vendo…
Exibir mapa ampliado
Qual você acha que é o albergue, o casarão da esquerda ou o caixote da direita? Confiro o número da casa, é o caixote. Começo a seguir pela entrada, já sonhando com uma cama que, mesmo se fosse dura, ia ser melhor que o ônibus, que nem leito era. Aparece então alguém na varanda da casa bonita. O cara me chama, e eu penso “deve ser ali, né?”
Olá! Está procurando o albergue? Estou sim. Albergue WinWin? Sim, esse mesmo! Ele não existe mais.
…
…
Desculpe, como é?
O albergue tinha fechado as portas seis meses atrás, mas ninguém tinha tirado o anúncio da página de albergues (já está fora hoje em dia, diga-se de passagem). O lugar tá totalmente fechado.
Eita diabo, tem coisa que é só comigo mesmo…
E agora? O cara me perguntou se poderia fazer alguma coisa por mim, e eu pergunto se ele pode me indicar um hotel barato pra ir, não tenho grana pra coisa muito cara… Entre aí, vamos olhar no computador.
Ok, nessas horas, entra um detalhe importante da história… você tem que lembrar que cresci ouvindo meus pais (e os pais nos filmes e desenhos animados) mandando eu não falar com estranhos, e que maluco tem em todo canto. Então, lembrando que esses pensamentos irremediavelmente vão entrar na sua cabeça, acompanha a história… Aliás, lembre também, que estou procurando O Albergue. Aos analistas do comportamento: nessas horas, você tem que odiar quadros relacionais e relações de equivalência.
Entro na casa do cara, diga-se de passagem, ainda mais linda por dentro que por fora. Ele fala com a namorada/esposa, dizendo que “mais um perdido que veio pro albergue”. Uma mulher meio desarrumada, aparece. Fico na sala, me perguntando que diabo estou fazendo ali mesmo, na casa alheia.
O cara me pergunta se eu quero algo, agradeço, não obrigado. De onde você é? Brasil. Quando chegou aos EUA? Vão fazer três meses agora no começo do mês. tem família aqui em Phoenix? Não, estou fazendo turismo mesmo… está viajando sozinho? Estou.
Ok, se você parar pra pensar, acabei de dizer que sou uma vítima perfeita. Não tenho família por aqui, estou viajando sozinho, ninguém por perto pra sentir minha falta em alguns dias. O mais perto que todo mundo sabia onde eu andava era que eu estou em Phoenix pra assistir o show do Paul McCartney, indo pra um albergue que, diga-se de passagem, não existe mais. Esse é o típico comportamento que, se vemos em um filme, dizemos: mas também, esse retardado, tá pedindo pra morrer. Pois é, eu devia ser o segundo ou terceiro a morrer se fosse um filme de horror (Não, eu não posso ser o primeiro; não sou uma loura gostosa, que são, essas sim, sempre as primeiras vítimas).
Nota pra posteridade: Se um dia eu estiver viajando e começar a parecer meu primo @rodrigondim tuitando até o suco que ele tá bebendo, não estranhem.
Eles me chamam até um quarto, pra olhar os hotéis no computador. Lá vai eu, entrando na boca do lobo. O computador ainda usa Windows XP, leeeeerdo pra caramba pra ligar… sente-se, e lá vai eu sentando. No escritório, um número enorme de equipamento musical – caixas de som, cabos, uma guitarra no canto. Puxo a cadeira pra o outro lado da porta, ficando assim olhando pros dois.
Quer um vinho?
Não… taí que nem eu sou tão abestado pra tomar uma numa hora dessas! O cara discute com a mulher, porque ela tem dificuldade de achar o hotel que o cara tá sugerindo, o Motel 6 da Bell Road.
Chega alguém na casa, o filho do cara. Pronto, Papai Urso, Mamãe Urso e Bebê Urso. Agora tem nem como correr.
O cara me conta que, de vez em quando, alguém aparecia procurando o albergue. Fazia umas duas semanas que um japonês tinha aparecido, montado numa bicicleta, chegado já umas oito da noite, procurando o albergue. Tinha dormido na garagem dos caras. A gente teve alguma outra notícia dele, amor? Não, depois que ele foi embora, não.
Onomatopéia: Glup.
Achamos o motel, eles ligam, a diária é na verdade só um pouco mais cara que a do albergue (sim, o albergue era caríssimo, mas era o único registrado em Phoenix). Sabe como chego lá? Não se preocupe, a gente te deixa… Não, não, obrigado, vocês já fizeram demais… eu insisto… tem certeza que não quer um vinho?
Ai meu pai.
O meu filho te deixa. Não é? Não tenho que ir pra casa da minha mãe… é um desvio curto. Não, não… Vai sim! Ok. E eu envergonhado como se pode imaginar.
Vamos pra sala. Ficamos conversando, eles me perguntam que vim fazer em Phoenix, conto do show, eles falam de quando assistiram um também… o menino desaparece no quarto, foi tomar um banho. Reparo em cima da mesa, do lado da mulher, um pequeno guardanapo com umas seis pílulas diferente.
Nota de novo: lembrem que eu trabalhei em setor de psiquiatria. Pra mim, naquele momento, aquele monte de remédios incluía antidepressivos e antipsicóticos, comprovando todas as minhas teorias. Casal de psicopatas. Tô lascado.
Enquanto esperamos o filho do cara, que foi convencido por uma nota de 20 dólares, ficamos conversando mais um pouco. Ele conta que o cara, um oriental, desapareceu havia uns 6 meses, provavelmente porque devia muito. Tinha abandonado o carro na garagem e desaparecido (você vê o carro na foto lá em cima, exatamente na mesma posição que eu vi quando estive lá). Já tinham uns dois meses que o cara tinha entrado lá com a polícia, pois eles tinham medo que o foragido tivesse se enforcado lá dentro ou algo assim. O lugar está às moscas, abandonado, sem energia nem água; a porta de trás ficou aberta, de qualquer forma. Quer ir lá dar uma olhada?
Olhei pro rabo de olho pros anti-psicóticos. Uma casa abandonada, onde ninguém aparece, tempos depois de que a polícia já tinha passado por lá, com um cara estranho?
Não, obrigado, eu acredito em você. Tô bem aqui. [As pessoas vendo o filme de horror suspiram aliviados: ele não é tão burro assim!] Acho que devo ir embora, não quero incomodar… Incomoda não, fica aí.
Será que Padim Pade Ciço consegue me proteger por aqui no Arizona? Assim, Caatinga do Cariri, Deserto do Arizona, é até parecido… Não? Droga.
O cara me olha e pergunta: quer ver o que faço pra viver? Pronto, só me falta o cara ser taxidermista. Mas bora lá, já tô ferrado. Quero sim. [E as pessoas assistindo filme batem a mão na testa: esse merece morrer mesmo!]
Ele me leva até a garagem. Quando estou entrando, ele aperta um botão e a porta da garagem começa a fechar…
Em seguida, ele acende a luz. Meu queixo cai na mesma hora. Na garagem, uma mesa imensa, três barcos e duas lindas Harley Davidson.
“Isso é o que faço pra viver”, ele me diz. “Restauro barcos”.
Arrependo-me profundamente de, na minha timidez, não ter pedido pra bater fotos. Ele me mostra seu último trabalho, um barco relativamente pequeno, cor amadeirada, um motor imenso. Ele me diz que deve atingir coisa de 160km/h. Um outro no fundo era meio esverdeado. Ele conta que compra os barcos, restaura e depois vende no ebay [Tentei achar ele agora, mas não consegui encontrar nenhum link].
Ele conta que é de Nova York, e me mostra a Harley que trouxe ele, uns 20 e tantos anos atrás, até Phoenix. Levou algumas semanas pra chegar até ali, e tinha acabado ficando (aliás, a moto ainda brilhava). Depois me mostra o barco pessoal dele, um monstro imenso, daquele modelo que tem como se fossem duas quilhas na parte de baixo que, quando o barco acelera, sustentam todo o peso do barco, erguendo o casco acima da água e aumentando a aerodinâmica. Quão rápido isso aqui corre? Coisa de 160 milhas por hora. Isso são mais de 250Km/h. Ele fala todo animado de barcos e motos, até o filho dele aparecer pra me levar. Pegamos a caminhonete do cara, que faz faculdade em Flagstaff, alguns quilômetros de distância, dali, nas montanhas. Ele me deixa no Motel 6 da Bell, aquele modelo clássico de filme americano, com direito a piscina encardida no meio e afins.
Exibir mapa ampliado Após um check in, finalmente estou em algum lugar onde posso ficar quieto. Isso já deviam ser coisa de quatro ou cinco da tarde, mais de 36 horas desde a última vez que eu tinha dormido direito, tomado um banho e trocado de roupa. Pude enfim ligar o cel na tomada e conseguir carga suficiente pra ligar pra Mari e avisar... “Amor, tô em um motel!” Pude finalmente ficar em paz com o maldito sanduíche de frango, que felizmente, não tinha provocado nenhum problema até aquele momento…
No fim das contas, essa história me lembra muito a Crônica da Loucura, do Veríssimo. O casal eram só dois ripongas gente boa, que já deviam ter visto muita gente se estrepando porque o cara mantinha, mesmo foragido, o albergue nos sites de turismo, ganhando uns 5 ou dez dólares de uma pessoa e outra. É uma pena, que na minha nóia e depois na minha timidez, eu não tenha batido foto com eles e aprendido direito seus nomes, pra ilustrar e contar essa história. De vez em quando a gente realmente tranquila no mundo, que prefere dar uma mão a figuras que, como eles, saíram de casa pra fazer uma maluquice. Eles acabaram encontrando um lugar novo pra viver. Eu, realizei um sonho, que era ver esse cara aí embaixo…
Foi muita confusão, mas é como a Mari disse: valeu muito pela história pra contar. Agora já posso até dizer “e vocês lá são fãs, sabe o que eu tive que fazer pra ir ver um show do Paul McCartney?”
E quer saber? Faço de novo. Na hora.
inté,
A.N.