quarta-feira, 28 de abril de 2010

Vocês lá são fãs… (Parte 1)

“AMOR, ESTOU EM UM MOTEL”. Foi assim que comecei a contar essa história pra Mari, logo que eu finalmente parei em um lugar quando fui pra Phoenix. Quer saber que diabo é isso? Leia a história toda…

Estou devendo contar essa história há tempos, simplesmente porque é uma história que merece ser contada. Ela é, com certeza, pra fazer companhia à história das 13 horas sem ir ao banheiro pra assistir o show do Rolling Stones. Obviamente ficou bem grande o relato, leia por sua própria conta e risco…

[Nota: Como começou a ficar grande demais, separei as duas partes. O final da história, só amanhã! hehehe]

Recebi o e-mail em um dia auspicioso: 23 de fevereiro. Nele, a notícia de que ninguém mais, ninguém menos que Sir James Paul McCartney, reconhecidamente o “baixista canhoto mais famoso da história do Rock” (adorei essa definição da wikipedia…), ia fazer uma rapidíssima turnê nos Estados Unidos. Na maluquice, comprei o ingresso. Naquele momento, tinha a opção de Los Angeles ou Phoenix; obviamente LA estava na minha lista de cidades que eu queria conhecer, mas o show era numa terça-feira, precisamente meu “dia de trabalho oficial”, quando tenho reunião do grupo de pesquisa na UNT. É o dia que não posso faltar de modo algum. Então… Phoenix it is. Comprei logo o ingresso, damos um jeito pra chegar lá depois.

Mas aí veio um problema… como chegar lá. Descobri que a distância entre Denton e Phoenix era de aproximadamente 1600km. Tenho que dizer que eu estava meio quebrado depois da viagem pra Nova Orleans pra ver o show do Eric Clapton… mais 500 dólares de passagem de avião era dose! E eu não tinha coragem de alugar um carro e me mandar, sozinho, dirigindo até o Arizona do Texas (Amor, a gente podia tentar isso quando você tiver aqui, né? ;-) ).

A decisão acabou sendo o bom e velho busão. Saí de casa às 9 e meia da manhã, para estar na parada de ônibus às dez, já que o meu ônibus saía ás onze. Você deve estar perguntando… parada? Não quer dizer rodoviária? Não, é parada mesmo. Um posto de gasolina na Interestadual, onde páram vários caminhões e também os ônibus da Greyhound. Sim, quando eu digo que Denton é uma pequena e bem desenvolvida roça, vocês acham que tô sendo chato…

Pois bem, antes de continuar a história, devo reconhecer que devia ter batido mais fotos. Eu até estava com a máquina, mas ainda sou brasileiro, né? Você tiraria sua máquina digital num ônibus de linha, indo de Fortaleza pra Belém? Pois é…

Saí de Denton às onze (cravado), com destino a Dallas. Mochila no bagageiro do ônibus, uma bolsinha preta a tiracolo com um livro (Alice in Wonderland, meu presente de aniversário!), o PSP, máquina, um sanduíche de frango que estava na geladeira, um inalador de Vicky e um frasquinho de remédio pra enjôo, o mais parecido que consegui achar aqui com Dramim. Se eu enjôo em ônibus? Dificilmente. Então, pra quê o frasquinho? Aguarde e confie…

Chegando em Dallas às 11:59, segundo meu cartão de embarque, eu tinha perto de duas horas pra almoçar. A rodoviária (agora era rodoviária de verdade), é obviamente uma rodoviária dos EUA… que na verdade é exatamente a mesma coisa que no Brasil. Suja, lotada de gente dormindo nos bancos, uma confusão do inferno, com a comida da lanchonete parecendo que foi a sobra do lanche de Colombo quando eles fizeram uma paradinha na América. Saí pra dar uma volta no centro de Dallas e encontrar o que comer. Era na verdade a primeria vez que eu pisava em Dallas, apesar de ser a cidade grande mais próxima aqui de Denton. O problema é que os ônibus pra lá páram de passar cedo, aí complica pra ir até lá… Mas enfim, dei uma volta pelo centro (não muito grande, já que eu estava com o mochilão e, sinceramente, cara de moleque turista atrai malaca em qualquer parte do mundo, né?), achei o que comer (um McDonald’s, confesso), e voltei.

Aí é que a viagem começou de verdade… Deixa só eu dar meu intinerário completo:

Cidade Chegada Saída Data
Denton, Tx   11:00 26/03
Dallas, Tx 11:59 13:55  
Abilene, Tx 17:15 17:45  
Van Horn, Tx 00:10 00:25 27/03
El Paso, Tx 01:25 02:30  
Lorisburg, Nm 05:25 06:10  
Tucson, Az 07:55 08:10  
Phoenix, Az 10:20    

denton-phoenix

Deve-se deixar claro que Phoenix fica a dois fusos de distância. Ou seja, viajei exatamente 24 horas.

Assim que saímos de Dallas, me senta ao meu lado um cara. Todo riscado e tatuado, usando um fone de ouvido daqueles grandões, tocando hip hop nas alturas. O cara conversa com uma dupla sentada na frente. Depois de um pouquinho, o figura pega com eles um pedaço de fumo, e começa a mascar. Pra quem não sabe, fumo produz uma enorme quantidade de saliva que você não deve engolir… o riscado arruma um copinho de danoninho e ficou usando pra cuspir do meu lado. Vinte e quatro horas com esse figura do lado? Ai meu deus…

Mas esse nem foi o maior problema. 15 minutos lendo, e fiquei com uma bela dor de cabeça. Não sei qual foi o problema (já li várias vezes no ônibus), mas vi que não ia rolar… Tentei depois de um tempo o Sudoku, mas mesma coisa. Não vai rolar mesmo ler aqui? Não posso também gastar muita bateria do cel, não posso ficar escutando música. Que raio vou fazer nessa viagem? A Mari que me salvou (pra variar), papeando por e-mail. Sobrava o que? Olhar o povo, rosto colado na janela vendo o interior do Texas, e esperar chegar em algum lugar…

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A parada em Abilene (uma cidadezinha no meio do nada, com maior cara de cidade de interior mesmo) serviu pra comer alguma coisa, e pro cuspidor ir pra parte de trás do ônibus. Tranquilo. O ônibus segue viagem, e ninguém senta do meu lado. Fico olhando a paisagem, muito bonita diga-se de passagem. Já estou feliz que vou poder me deitar nas duas poltronas…

Alguém toca meu ombro. Um senhor, sabe-se lá quantos anos, só com uns 4 dentes da boca e cego de um olho, pede para deitar nas cadeiras pra dormir, só por meia hora… lá vai eu trocar de cadeira com o velho… E não é por respeito pelos mais velhos não. Foi medo mesmo… sabe aqueles velhos de história de horror? Era um desses. Eu que não queria ele com raiva de mim!

Aliás, interlúdio. O povo do ônibus era uma graça. Tinha caubói, de chapéu e camisa quadriculada; mulher viajando com a família, inteira, até mãe, tia e avó; um monte de latino, fazendo a língua mais falada no ônibus o espanhol; o velho louco e vagabundo, com cheiro de quem mora na rua há anos, cabelo desgrenhado e barba grande, que a bagagem eram dois sacos de lixo daqueles grandões.

Pois bem, sento do lado de um cara, no lugar do velho. Daqui a pouco, começo a tentar bater papo… o cara é um francês de Paris, que morava no Canadá e estava indo pra Tucson pra assistir lucha libre. O cara adorava filme americano, porque segundo ele filme francês era tudo igual… e ele fazia longos discursos sobre a arte dos filmes americanos, isso tudo falando um inglês terrível, e eu só faltava dizer “meu senhor, fale francês, que é  capaz de eu entender mais que seu inglês!”.

O pôr do sol, devo dizer, foi um espetáculo… pena que eu estava do outro lado do ônibus. Aí eu não tive como não fotografar… mas a foto ficou tão ruim…

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Lá pras tantas, depois que a meia hora do velho já tinha passado de duas horas e eu tava de saco cheio do francês, comecei a me incomodar. Percebi que o velho tava de olho aberto. “Senhor, posso dormir…” “mais meia horinha’. Velho sacana.

Como a primeira metade do sanduíche de frango no jantar. Depois que comi o primeiro, presto atenção em uma coisa que eu devia ter visto antes de sair de casa… além de “mantenha refrigerado”, outra coisa me chama a atenção: validade até 25 de março. Eram 26. Agora ferrou de vez.

Eu tenho muita dificuldade de dormir em ônibus, avião, carro ou que seja… mas aí que entra o remédio pra enjôo! Sou absurdamente sensível aos efeitos colaterais de sonolência desse tipo de remédio. Um Dramim e eu capoto direto… esse funcionou parecido. Magavilhas.

Acorda em El Paso, pro ônibus ser limpo. Depois de mais de doze horas de viagem, ainda estou no Texas! Que diabo do estado grande… Jantei por lá (já eram uma da manhã, duas em Denton – El Paso é um fuso diferente). Cup Noodles, um quick de chocolate, e um copinho de frutas. E o medo do sanduíche de frango no mundo.

Consegui dormr quando o ônibus voltou a andar, encostado no vidro. Não sei numa altura dessas do campeonato estava sentado do meu lado. Estou lá, muito bem finalmente dormindo, quando sou acordado por um empurrão no braço… olho, e vejo dois caras com maior jeito de soldados, arma no coldre, uniforme verde. La Migra. Imigration checkpoint. Seu cartão de cidadania, senhor? Mostro o passaporte, já aberto na página do visto. Eles olham, trocam palavras rápido. Olham pra mim e perguntam onde eu estudo (meu visto, J1, é pra estudante). Mostro o moletom que estou usando da UNT. Onde está seu I-20. I-20? I-20? [palavrões]. Faço cara de quem não tem idéia do que é porque está morrendo de sono, e pergunto de novo como se não tivesse ouvido, já trancado (eita pau, é agora que sou deportado!). Sua permissão pra estudar. Ah, está na mochila, lá embaixo! (e era verdade, mas no meu caso, o formulário se chama DS-129). Um olha pro outro, olham pra minha cara, acho que pensaram que iam ter trabalho demais pra ver o diabo do papel. Agradeceram e passaram para alguém atrás de mim.

Ainda ficamos uma meia hora nesse posto. Depois voltam os dois para o cara atrás de mim, e começam a disparar perguntas. Nome? Cidade que nasceu? Nome do pai? E por aí vai… quando pareceram estar satisfeitos, devolveram o documento pro cara e saíram do ônibus. Voltamos a viagem. As luzes do posto nem tinha se afastado e escuto um dos caras falar, em espanhol “ele nem gagueja, esse mentiroso…”. O grupo todo atrás de mim, que falavam espanhol, desataram a rir. “Treinei bastante!” ele responde. Fi duma égua, era imigrante ilegal mesmo!

No dia seguinte, acordei umas seis da manhã com o ônibus parando pra um café da manhã rápido no… McDonalds, que novidade! Peguei rapidinho um negócio parecido com um pão que eles tem e um chocolate (lembrando que, aqui nos EUA, eles não tiveram ainda a brilhante idéia de fazer chocolate com leite, só com água… mas era melhor que tomar café e espantar o sono que eu estava… Antes de sair, me toquei de uma coisa bizarra, já quando o ônibus saía e não deu tempo de bater foto: tinha um dinossauro na frente do McDonald’s. Sim, um dinossauro… uma estátua de algo parecido com um Velociraptor. Por que e onde diabo eu tava, não tenho idéia…

Dormi mais um pouco e acordei na estrada. Já era nítido o Arizona, com o chão avermelhado e muitas rochas pra todos os lados… Falta pouquinho!

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Cheguei em Phoenix no horário marcado, dez da manhã, todo doído e cansado. O plano era muito simples: ir pro albergue e dormir! Mas, claro, que as coisas não iam ser tão fáceis assim…

To be Continued…

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Um comentário:

Anônimo disse...

Fantástico, Aécio! Muito boa narrativa! Me diverti um monte e não vou perder a segunda parte!
(E sua vida tá bem mais interessante que a minha... [Fora eu estar coletando dados interessante e - pelo seu relato aqui no blog - você não estar! heheheheh - brincadeira, viu!])
Grande abraço!
Angelo