segunda-feira, 17 de maio de 2010

Saudade (A post in English)

Quando cheguei em Denton, fiquei no apartamento do departamento de Análise do Comportamento (sim, eles tem um apartamento… e a gente brigando por cartucho de impressora!). Lá tinha um diário que pedia para escrever sobre minha estadia lá. Eventualmente escrevi, e não deve ser surpresa o fato de qual o tema que escolhi pra escrever…

Como a idéia é explicar a alguém que não fale em português o que significa “saudade”, com todas as implicações que ela traz, pra além de um simples “sinto sua falta”. Vou deixar em inglês aqui tb…

inté,

[When I first arrived in Denton, I spent some time in the Behavior Analysis Department Apartment (internal joke). There, there was a journal that asked to write about the time spent there. Eventually I wrote, and it shouldn’t be any surprise the theme I chose to write…

As the whole point of is to explain what the word “Saudade” to someone who does not speak portuguese, with all the implications of the word (that can’t be explained just as “I miss you”), I’ll leave the post in english here too…

C ya,]

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Saudade

I was asked to write something about the time I’ve been in this apartment. It was a new idea, and I would be the first to write down something. I am a little bit scared with being the first to write here, but that should not keep me from trying… I’m telling this just to make sure you, that is reading this know that (1) I am not sure this is the way to go; and (2), that I am sorry if it’s a little bit difficult to understand what I wrote here, as my handwriting is not so clear and English is not my first language.

I have spent two weeks in this apartment. I arrived January 11th, knowing here only the one that would be my advisor. As I’m writing this, I’ll be leaving tomorrow for the apartment I’ll be living here in Denton for this year of 2010. (Actually, the original text was written on that day… I’m actually in the new home for some time, just taken some time to write everything down and revise it).

It’s difficult to talk about the time I’ve spend here, because the most powerful and strong emotion I’m feeling is difficult to describe. There’s no actual word in English that quite grasp its meaning (actually, there’s no word in almost no other language but Portuguese). Maybe you that are reading this journal may be feeling that too, even if do not have the word to describe it. We call it “Saudade”.

“Saudade” is similar to miss something. But when you miss something, It seems it’s just that you would like that thing (person, place, whatever) was near. Saudade is something more.

When a Portuguese speaking person talks about saudade, it’s referring to the fact that you feel not only the longing or desire to be close again; it also expresses that there is something missing in yourself, a nostalgic incompleteness that will not go away. Someone described saudade as “the love that stays”. I think it is a good definition.

Saudade describes a feeling that rises when you think about people, places or those moments that are not near for some reason - and, maybe, can’t be near at all. You feel saudade from places you are fond but can’t be there. You feel saudade from the childhood, from the childhood of dear people. You feel saudade from people that are gone, and feel saudade from times that went and will never come back. Most of all, you feel saudade of people. Your relatives, your parents, your children, your love: Those that, in this moment, are not close to you. And this very moment you lost with them will never come back. You feel saudade of thing that could have been, and because of choices or contingencies of life, will never be again.

I read a poem that may be the best description of saudade I ever read. I can’t say who the author is in reality, but as tried to find out, most websites accredited to the Chilean poet Pablo Neruda. (as i did not find a Pablo´s Neruda Website with this poem, thought, I am not sure it is his). In a rough translation, it goes like this:

 

 

Saudade é solidão acompanhada,

[Saudade is accompanied loneliness,]

é quando o amor ainda não foi embora,

[When love is not gone yet,]

mas o amado já...

[But the beloved has…]

 

Saudade é amar um passado que ainda não passou,

[Saudade is to love a past that has not passed yet,]

é recusar um presente que nos machuca,

[Is to refuse a present that hurts us,]

é não ver o futuro que nos convida...

[Is not seeing the future that invite us…]

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

[Saudade is to feel something exists when it is no more…]

 

Saudade é o inferno dos que perderam,

[Saudade is the hell of those who have lost,]

é a dor dos que ficaram para trás, é

[Is the pain of those who were left behind,]

o gosto de morte na boca dos que continuam...

[It’s the taste of death of those who carry on.]

 

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:

[Only one person wants to feel saudade:]

"aquela que nunca amou."

[the one that never loved.]

E esse é o maior dos sofrimentos:

[This is the greatest of all sorrows: ]

não ter por quem sentir saudades,

[Having no one to feel saudade for;]

passar pela vida e não viver.

[To go by life without living.]

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido..."

[The greatest of all sufferings is never having suffered at all.]

As the poem show, feel saudade is not a bad thing. It’s actually good. It’s marvelous, wonderful. To feel saudade is to be sure you love, and a good chance that you have been loved back. To feel saudade is to feel that you had – or have – something good. To feel saudade is to think that something was and is good in your life. No wonder Brazilians are so “saudosos”.

So, if you’re in this apartment as a guest, and think you’re feeling saudade for someone or something (be a person, be a moment, be just “easier days”), be glad. You are not among those the poet talks about.

Have a good stay in here, and may the days you spend here give you chance to look back here and feel saudade from here too.

Aécio Borba

domingo, 2 de maio de 2010

Vocês Lá São Fãs… (Parte 2: Chegando Lá)

Previously, in Lost this blog, buzz ou onde quer que vc esteja lendo essa história…

Saí de Denton rumo a Phoenix;

A viagem teve direito a figuras estranhas, velhos assustadores, encontro com a imigração, franceses tagarelas, um sanduíche de frango estragado e um dinossauro no McDonald’s. 25 horas depois de sair de Denton, finalmente eu chegava em Phoenix, pronto pra ir pro albergue e descansar…

Ninguém na rodoviária sabia me indicar qual ônibus deveria pegar pra chegar no albergue, e sugeriram falar com um motorista de Táxi. Perguntei ao Taxista… isso é do outro lado da cidade, deve custar uns 50 dólares pra me levar lá, pelo menos.

Onde pego o ônibus? Ali. Qual eu pego? Nem idéia, pergunte ao motorista. Nessas horas, uma coisa massa é o sistema de transporte americano. Quando cheguei na parada, na placa com o sinalzinho do ônibus, tinha o telefone da central. Usei o restinho de bateria do cel pra ver se tinha resposta do albergue, que eu tinha mandado e-mail perguntando como chegar lá. Nada. Aí liguei pro número na parada de ônibus. Falo com uma moça, digo onde estou, e onde quero chegar: Buckeye com 24th, quero ir pra Sequoia Drive. Ok, espere um momento; pegue o ônibus 15, indo pro oeste e que vai passar aí às 11:26, e desça na Dunlap com 19th ave. De lá, pegue o ônibus 90, ás 12:39, indo pra leste até a Cave Creek Rd e desça na Marco Polo. Anotei tudo em papel, e bora embora…

Notas: primeiro, os diabos dos ônibus chegaram todos no horário – e, no dia seguinte, eu vi o motorista parar o ônibus e anunciar pelo microfone que estávamos parados porque ele estava adiantado no horário, e ele tinha que esperar dar a hora pra poder sair. Segundo, a tecnologia é tão massa que eu posso ir agora, mais de um mês depois, no google maps e no sistema de transporte de Phoenix, e rever exatamente o que fiz… Preço total US$ 3,50. Pense na economia!

O itinerário completo…

Rota

Duas horas e meia, um bife teriaki no Jack in a Box e dois ônibus depois, desço no lugar que teoricamente eu deveria ir. Mas sabe aquele detalhezinho que você não anotou? Pra que lado é o albergue mesmo??? Lá vou eu rodar… e nada de achar o lugar, e ninguém sabe onde é o albergue, ninguém conhece a rua… perguntei até a uma mulher dos correios que encontrei por lá. E nada.

Agora deu. Sem cel, sem saber onde ir… Hora de ser cara de pau. Fui até um McDonald’s que vi ali por perto, pedi um café (sim, bizarro, né?), sentei perto duma tomada e botei o cel na parede. Bora carregar. Minutos depois, o cel me mostra o caminho (obrigado, meu bom Google Maps). Agora eu acho…

Ou não. Quando estou subindo o caminho, vejo duas casas em um morrinho: uma que parece um caixote de concreto, e outro casarão bonito, com um sol na frente. Novamente, o GMaps vai me deixar ser enxirido e mostrar exatamente o que eu estava vendo…


Exibir mapa ampliado

Qual você acha que é o albergue, o casarão da esquerda ou o caixote da direita? Confiro o número da casa, é o caixote. Começo a seguir pela entrada, já sonhando com uma cama que, mesmo se fosse dura, ia ser melhor que o ônibus, que nem leito era. Aparece então alguém na varanda da casa bonita. O cara me chama, e eu penso “deve ser ali, né?”

Olá! Está procurando o albergue? Estou sim. Albergue WinWin? Sim, esse mesmo! Ele não existe mais.

Desculpe, como é?

O albergue tinha fechado as portas seis meses atrás, mas ninguém tinha tirado o anúncio da página de albergues (já está fora hoje em dia, diga-se de passagem). O lugar tá totalmente fechado.

Eita diabo, tem coisa que é só comigo mesmo…

E agora? O cara me perguntou se poderia fazer alguma coisa por mim, e eu pergunto se ele pode me indicar um hotel barato pra ir, não tenho grana pra coisa muito cara… Entre aí, vamos olhar no computador.

Ok, nessas horas, entra um detalhe importante da história… você tem que lembrar que cresci ouvindo meus pais (e os pais nos filmes e desenhos animados) mandando eu não falar com estranhos, e que maluco tem em todo canto. Então, lembrando que esses pensamentos irremediavelmente vão entrar na sua cabeça, acompanha a história… Aliás, lembre também, que estou procurando O Albergue. Aos analistas do comportamento: nessas horas, você tem que odiar quadros relacionais e relações de equivalência.

Entro na casa do cara, diga-se de passagem, ainda mais linda por dentro que por fora. Ele fala com a namorada/esposa, dizendo que “mais um perdido que veio pro albergue”. Uma mulher meio desarrumada, aparece. Fico na sala, me perguntando que diabo estou fazendo ali mesmo, na casa alheia.

O cara me pergunta se eu quero algo, agradeço, não obrigado. De onde você é? Brasil. Quando chegou aos EUA? Vão fazer três meses agora no começo do mês. tem família aqui em Phoenix? Não, estou fazendo turismo mesmo… está viajando sozinho? Estou.

Ok, se você parar pra pensar, acabei de dizer que sou uma vítima perfeita. Não tenho família por aqui, estou viajando sozinho, ninguém por perto pra sentir minha falta em alguns dias. O mais perto que todo mundo sabia onde eu andava era que eu estou em Phoenix pra assistir o show do Paul McCartney, indo pra um albergue que, diga-se de passagem, não existe mais. Esse é o típico comportamento que, se vemos em um filme, dizemos: mas também, esse retardado, tá pedindo pra morrer. Pois é, eu devia ser o segundo ou terceiro a morrer se fosse um filme de horror (Não, eu não posso ser o primeiro; não sou uma loura gostosa, que são, essas sim, sempre as primeiras vítimas).

Nota pra posteridade: Se um dia eu estiver viajando e começar a parecer meu primo @rodrigondim tuitando até o suco que ele tá bebendo, não estranhem.

Eles me chamam até um quarto, pra olhar os hotéis no computador. Lá vai eu, entrando na boca do lobo. O computador ainda usa Windows XP, leeeeerdo pra caramba pra ligar… sente-se, e lá vai eu sentando. No escritório, um número enorme de equipamento musical – caixas de som, cabos, uma guitarra no canto. Puxo a cadeira pra o outro lado da porta, ficando assim olhando pros dois.

Quer um vinho?

Não… taí que nem eu sou tão abestado pra tomar uma numa hora dessas! O cara discute com a mulher, porque ela tem dificuldade de achar o hotel que o cara tá sugerindo, o Motel 6 da Bell Road.

Chega alguém na casa, o filho do cara. Pronto, Papai Urso, Mamãe Urso e Bebê Urso. Agora tem nem como correr.

O cara me conta que, de vez em quando, alguém aparecia procurando o albergue. Fazia umas duas semanas que um japonês tinha aparecido, montado numa bicicleta, chegado já umas oito da noite, procurando o albergue. Tinha dormido na garagem dos caras. A gente teve alguma outra notícia dele, amor? Não, depois que ele foi embora, não.

Onomatopéia: Glup.

Achamos o motel, eles ligam, a diária é na verdade só um pouco mais cara que a do albergue (sim, o albergue era caríssimo, mas era o único registrado em Phoenix). Sabe como chego lá? Não se preocupe, a gente te deixa… Não, não, obrigado, vocês já fizeram demais… eu insisto… tem certeza que não quer um vinho?

Ai meu pai.

O meu filho te deixa. Não é? Não tenho que ir pra casa da minha mãe… é um desvio curto. Não, não… Vai sim! Ok. E eu envergonhado como se pode imaginar.

Vamos pra sala. Ficamos conversando, eles me perguntam que vim fazer em Phoenix, conto do show, eles falam de quando assistiram um também… o menino desaparece no quarto, foi tomar um banho. Reparo em cima da mesa, do lado da mulher, um pequeno guardanapo com umas seis pílulas diferente.

Nota de novo: lembrem que eu trabalhei em setor de psiquiatria. Pra mim, naquele momento, aquele monte de remédios incluía antidepressivos e antipsicóticos, comprovando todas as minhas teorias. Casal de psicopatas. Tô lascado.

Enquanto esperamos o filho do cara, que foi convencido por uma nota de 20 dólares, ficamos conversando mais um pouco. Ele conta que o cara, um oriental, desapareceu havia uns 6 meses, provavelmente porque devia muito. Tinha abandonado o carro na garagem e desaparecido (você vê o carro na foto lá em cima, exatamente na mesma posição que eu vi quando estive lá). Já tinham uns dois meses que o cara tinha entrado lá com a polícia, pois eles tinham medo que o foragido tivesse se enforcado lá dentro ou algo assim. O lugar está às moscas, abandonado, sem energia nem água; a porta de trás ficou aberta, de qualquer forma. Quer ir lá dar uma olhada?

Olhei pro rabo de olho pros anti-psicóticos. Uma casa abandonada, onde ninguém aparece, tempos depois de que a polícia já tinha passado por lá, com um cara estranho?

Não, obrigado, eu acredito em você. Tô bem aqui. [As pessoas vendo o filme de horror suspiram aliviados: ele não é tão burro assim!] Acho que devo ir embora, não quero incomodar… Incomoda não, fica aí.

Será que Padim Pade Ciço consegue me proteger por aqui no Arizona? Assim, Caatinga do Cariri, Deserto do Arizona, é até parecido… Não? Droga.

O cara me olha e pergunta: quer ver o que faço pra viver? Pronto, só me falta o cara ser taxidermista. Mas bora lá, já tô ferrado. Quero sim. [E as pessoas assistindo filme batem a mão na testa: esse merece morrer mesmo!]

Ele me leva até a garagem. Quando estou entrando, ele aperta um botão e a porta da garagem começa a fechar…

Em seguida, ele acende a luz. Meu queixo cai na mesma hora. Na garagem, uma mesa imensa, três barcos e duas lindas Harley Davidson.

“Isso é o que faço pra viver”, ele me diz. “Restauro barcos”.

Arrependo-me profundamente de, na minha timidez, não ter pedido pra bater fotos. Ele me mostra seu último trabalho, um barco relativamente pequeno, cor amadeirada, um motor imenso. Ele me diz que deve atingir coisa de 160km/h. Um outro no fundo era meio esverdeado. Ele conta que compra os barcos, restaura e depois vende no ebay [Tentei achar ele agora, mas não consegui encontrar nenhum link].

Ele conta que é de Nova York, e me mostra a Harley que trouxe ele, uns 20 e tantos anos atrás, até Phoenix. Levou algumas semanas pra chegar até ali, e tinha acabado ficando (aliás, a moto ainda brilhava). Depois me mostra o barco pessoal dele, um monstro imenso, daquele modelo que tem como se fossem duas quilhas na parte de baixo que, quando o barco acelera, sustentam todo o peso do barco, erguendo o casco acima da água e aumentando a aerodinâmica. Quão rápido isso aqui corre? Coisa de 160 milhas por hora. Isso são mais de 250Km/h. Ele fala todo animado de barcos e motos, até o filho dele aparecer pra me levar. Pegamos a caminhonete do cara, que faz faculdade em Flagstaff, alguns quilômetros de distância, dali, nas montanhas. Ele me deixa no Motel 6 da Bell, aquele modelo clássico de filme americano, com direito a piscina encardida no meio e afins.


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Após um check in, finalmente estou em algum lugar onde posso ficar quieto. Isso já deviam ser coisa de quatro ou cinco da tarde, mais de 36 horas desde a última vez que eu tinha dormido direito, tomado um banho e trocado de roupa. Pude enfim ligar o cel na tomada e conseguir carga suficiente pra ligar pra Mari e avisar... “Amor, tô em um motel!” Pude finalmente ficar em paz com o maldito sanduíche de frango, que felizmente, não tinha provocado nenhum problema até aquele momento…

No fim das contas, essa história me lembra muito a Crônica da Loucura, do Veríssimo. O casal eram só dois ripongas gente boa, que já deviam ter visto muita gente se estrepando porque o cara mantinha, mesmo foragido, o albergue nos sites de turismo, ganhando uns 5 ou dez dólares de uma pessoa e outra. É uma pena, que na minha nóia e depois na minha timidez, eu não tenha batido foto com eles e aprendido direito seus nomes, pra ilustrar e contar essa história. De vez em quando a gente realmente tranquila no mundo, que prefere dar uma mão a figuras que, como eles, saíram de casa pra fazer uma maluquice. Eles acabaram encontrando um lugar novo pra viver. Eu, realizei um sonho, que era ver esse cara aí embaixo…

Foi muita confusão, mas é como a Mari disse: valeu muito pela história pra contar. Agora já posso até dizer “e vocês lá são fãs, sabe o que eu tive que fazer pra ir ver um show do Paul McCartney?”

E quer saber? Faço de novo. Na hora.

inté,

A.N.