DIAS ATRÁS O RAFAEL PUBLICOU NO BLOG DITO E DIZER UM POST SOBRE ESTAR AMARGO (confira). Ele dizia que a vida não tinha perdido o sabor, mas às vezes faltava tempero... eu comentei: O problema não é a falta de gosto, ou a falta de tempero, ou que o tempero está ruim. O problema, em alguns momentos, é que o gosto é ruim mesmo.
Esse meu comentário ganhou força poucos dias atrás. O tema da vez na berlinda dos meus estudos agora é depressão. Entre os textos que li, dois se destacam - um chamado Depressão: tradição e moda (Isaías Pessoti, 2001 - volume 7 da Coleção Sobre Comportamento e Cognição) e uma aula do prof. Roberto Banaco, da PUC de SP e do Núcleo Paradigma. Eles apontam que o problema - talvez o mais sério - não é que uma pessoa se sinta mal; mas as condições em nossa cultura que foram criadas e façam com que sentir-se mal seja considerado ruim.
Existe uma espécie de "Ditadura da Felicidade" em nossa cultura (ok, estou parecendo aqueles autores pós-modernos; mas vejamos se não sou tão esquizofrênico). O "correto" é estar feliz o tempo todo, ter relações sociais saudáveis e sem problemas, ser bem sucedido financeiramente e profissionalmente (não adianta só trabalhar no que você gosta - tem que faturar alto; o inverso é aceitável, mas pouco defendido). "Ter carro do ano, TV a cores, pagar imposto, ter pistolão, filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão, ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão..." (acho que a música é do Renato Russo, mas já vi o Paralamas cantando, então não tenho lá muita certeza). Ah, já ia esquecendo: se for mulher, não pode ter espinhas, estrias, celulite ou gordura localizada; cabelos extremamente sedosos e lisos (o tempo todo; não interessa o vento); e uma barriga chapada e durinha 100% do tempo (como isso é possível dentro das condições fisiológicas naturais, não sei), e claro, a cintura precisa ter - no máximo - a circunferência do meu pescoço. Se for homem, é mais fácil - só é requerido não ter espinhas e evitar a barriga de cerveja. Ou de toucinho. Ou whatever.
O retrato da pessoa perfeita aí descrito, logicamente, só é possível em revistas e quadrinhos e desenhos animados. Sim, porque mesmo em filmes a maior parte do tempo ninguém consegue, na hora de usar uma pessoa de verdade... Até a Jennifer Connely fica feia em alguns filmes. Ela também envelhece, apesar de isso parecer estranho.
Mas, se você não se enquadra, te dizem que você tem que se sentir mal. Se teu emprego não te permite férias na Europa a cada seis meses (um ano??? Quem disse que só pode-se ir fazer compras em Paris uma vez por ano? Se não for a Paris, pelo menos Nova York, né?), ou se você como todos os seres humanos normais come em alguns momentos e descome em outros (que não se acumula nas unhas, deve-se dizer), se você convive com pessoas normais o que gera atrito em alguns momentos (e não no mundo dos Ursinhos Carinhosos)... então algo está errado. E, obviamente, é com você. Voltando à analogia do Rafael, o tempero é que está faltando.
E aí vem depressão, anorexia, bulimia. E, se isso não dá certo, ansiedade, ansiedade generalizada e pânico, compulsão, obsessão, comer obsessivo. Joga o DSM ou o CID pra cima (manuais diagnóstico de transtornos comportamentais); na página que cair, serve.
Às vezes, é muito mais fácil reconhecer que tem horas que o gosto é ruim mesmo; erraram a mão, o negócio é de baixa qualidade. Fique com raiva, triste, joga o prato no chão. E espera o próximo almoço. O problema não é achar ruim; é pensar que não vai ter outra comida na frente.
Uma nota pra concluir: É lógico que, se a comida está sempre ruim, está na hora de ir preparar o próprio almoço.
Ou, no mínimo, atacar a geladeira.
Esse meu comentário ganhou força poucos dias atrás. O tema da vez na berlinda dos meus estudos agora é depressão. Entre os textos que li, dois se destacam - um chamado Depressão: tradição e moda (Isaías Pessoti, 2001 - volume 7 da Coleção Sobre Comportamento e Cognição) e uma aula do prof. Roberto Banaco, da PUC de SP e do Núcleo Paradigma. Eles apontam que o problema - talvez o mais sério - não é que uma pessoa se sinta mal; mas as condições em nossa cultura que foram criadas e façam com que sentir-se mal seja considerado ruim.
Existe uma espécie de "Ditadura da Felicidade" em nossa cultura (ok, estou parecendo aqueles autores pós-modernos; mas vejamos se não sou tão esquizofrênico). O "correto" é estar feliz o tempo todo, ter relações sociais saudáveis e sem problemas, ser bem sucedido financeiramente e profissionalmente (não adianta só trabalhar no que você gosta - tem que faturar alto; o inverso é aceitável, mas pouco defendido). "Ter carro do ano, TV a cores, pagar imposto, ter pistolão, filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão, ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão..." (acho que a música é do Renato Russo, mas já vi o Paralamas cantando, então não tenho lá muita certeza). Ah, já ia esquecendo: se for mulher, não pode ter espinhas, estrias, celulite ou gordura localizada; cabelos extremamente sedosos e lisos (o tempo todo; não interessa o vento); e uma barriga chapada e durinha 100% do tempo (como isso é possível dentro das condições fisiológicas naturais, não sei), e claro, a cintura precisa ter - no máximo - a circunferência do meu pescoço. Se for homem, é mais fácil - só é requerido não ter espinhas e evitar a barriga de cerveja. Ou de toucinho. Ou whatever.
O retrato da pessoa perfeita aí descrito, logicamente, só é possível em revistas e quadrinhos e desenhos animados. Sim, porque mesmo em filmes a maior parte do tempo ninguém consegue, na hora de usar uma pessoa de verdade... Até a Jennifer Connely fica feia em alguns filmes. Ela também envelhece, apesar de isso parecer estranho.
Mas, se você não se enquadra, te dizem que você tem que se sentir mal. Se teu emprego não te permite férias na Europa a cada seis meses (um ano??? Quem disse que só pode-se ir fazer compras em Paris uma vez por ano? Se não for a Paris, pelo menos Nova York, né?), ou se você como todos os seres humanos normais come em alguns momentos e descome em outros (que não se acumula nas unhas, deve-se dizer), se você convive com pessoas normais o que gera atrito em alguns momentos (e não no mundo dos Ursinhos Carinhosos)... então algo está errado. E, obviamente, é com você. Voltando à analogia do Rafael, o tempero é que está faltando.
E aí vem depressão, anorexia, bulimia. E, se isso não dá certo, ansiedade, ansiedade generalizada e pânico, compulsão, obsessão, comer obsessivo. Joga o DSM ou o CID pra cima (manuais diagnóstico de transtornos comportamentais); na página que cair, serve.
Às vezes, é muito mais fácil reconhecer que tem horas que o gosto é ruim mesmo; erraram a mão, o negócio é de baixa qualidade. Fique com raiva, triste, joga o prato no chão. E espera o próximo almoço. O problema não é achar ruim; é pensar que não vai ter outra comida na frente.
Uma nota pra concluir: É lógico que, se a comida está sempre ruim, está na hora de ir preparar o próprio almoço.
Ou, no mínimo, atacar a geladeira.
4 comentários:
Olá, Aécio, como estás?
Adorei o texto! Caramba... quem não se sente mal com essas coisas de vez em quando? Essa "ditadura da felicidade" realmente transformou "felicidade" em algo inatingível!
Frase:
"Antes do aparecimento do espelho a pessoa não conhecia o próprio rosto senão refletido nas águas de um lago. Depois de certo tempo cada um é responsável pela cara que tem." p. 42, Clarice Lispector, Água Viva
Ah... a Jennifer lembra a Roberta hehehe
beijos
Bah, Aécio, estou há vários dias tentando comentar esse texto. Na minha casa não está abrindo nenhum blog do blogspot. Agora que estou em outro lugar vim aqui para comentar, finalmente!
Seu texto está muito preciso. A ditadura da felicidade é, sem dúvida, uma das produtoras da nossa comunidade doente. A pressão dessa ditadura cai sobre nós sem que percebamos o que está acontecendo. Esse truque de invisibilidade que ela executa é o grande perigo.
O Skinner tem aquele texto bacana em que fala sobre como nosso mundo está estruturado para fazer mal às pessoas. Se não me engano, chama-se "o que está de errado com a vida cotidiana no mundo ocidental". Todos deveriam ler isso.
Abraço.
Muito bom teu texto, Aécio. Essa pressão social pela felicidade ou pela estabilidade acaba gerando inúmeros transtornos (o que vc mesmo já relatou). Gostei da forma como vc abordou o tema: inteligente e interessante. Nunca tinha visto vc escrever nada sobre isso e não sabia que o tema te interessava. Interessa-me muito essas temáticas!!! Abraço!
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