quarta-feira, 28 de novembro de 2007

E o Mundo Perde um Pouco de Sua Graça

EXISTEM PESSOAS QUE VÊM AO MUNDO PARA DEIXAR SUA MARCA. Alguns não sossegam em deixar só uma, claro. Hoje de madrugada, foi embora uma dessas...

Eu cresci escutando as histórias histórias desse meu tio, uma figura única que nunca se aquietou. Notícias dele eu tinha de vez em quando, sempre metido em alguma história sabe Deus por onde. Marcus Belmino, o tio Ponhonhô (como sempre chamamos) viveu mais coisas em dez anos que muita gente em sua vida inteira. Imagine 70 anos disso...

Uma das histórias mais engraçadas que lembro foi quando ele foi gerente em uma agrovila, no meio da Amazônia.

Tio Ponhonhô era quem mandava no bar da vila, e era responsável pelo gerador da cidade. Quando dava o horário, ele colocava todo mundo pra fora do bar, desligava a chave e ia se deitar em seu quartinho, atolado de coisas e com um vilão velho encostado.

O gerador não desligava imediatamente, pra dar tempo de todo mundo se preparar pra ir dormir. Ponhonhô então um dia fez como sempre fazia: fechou o bar, desligou a chave e foi pro seu quarto, ficando lendo até a luz se apagar de vez. Quando isso aconteceu, guardou o livrinho do lado, virou-se na cama, e foi dormir.

Antes de pegar no sono, porém, o vilão velho começou a afinar. Um barulho alto no silêncio do quarto (que não era tão silencioso assim, claro, já que era do lado da floresta). Ele levantou, olhando para a escuridão de onde vinha o som. Tateou as tranqueiras do quarto até achar uma caixa de fósforos, onde acendeu um imediatamente. No mesmo instante em que a chama iluminou o quarto, o barulho parou.

O violão, parado no canto, estava quieto e parado, como um objeto inanimado qualquer.

"Tô ficando é doido..."

E deitou-se de novo. Nem bem havia se acomodado, o barulho recomeçou. Ele riscou mais um fósforo, só para o som parar imediatamente. Procurou no quarto inteiro um bicho, pessoa escondida ou qualquer coisa assim.

Ele era a única alma viva no quarto.

Tio Ponhonhô não se aquietou. Apagou a luz, mas ficou sentado na cama, olhando para a direção do violão, caixa de fósforo preparada na mão.

O som recomeçou...

Imediatamente, o fósforo riscado iluminou o quarto, levando novamente ao silêncio. Tio Ponhonhô engoliu, apagou o fósforo e diz:

"É COM SERENATA, É? POIS BOA NOITE!"

E virou-se e dormiu.



Esse é o jeito que tenho certeza que ele ia querer ser lembrado - com alegria. Ele partiu essa madrugada. Vai deixar saudade em muitas das pessoas com quem compartilhou sua vida. Foi um dos pioneiros em quase tudo que pudesse ser pensado - foi um dos primeiros na instalação da televisão no Ceará, criador de dezenas de programas que fizeram sucesso desde a década de 70. Mais recentemente, tinha se acalmado mais, trabalhando como diretor do programa Nas Garras da Patrulha, da TV Diário, entre outros como produtor. Foi dono de restaurante e um dos primeiros a inventar a (hoje) tradicionalíssma caranguejada de quinta-feira.

Além de tudo, irmão mais velho do meu pai, e pai de vários primos.


Boa viagem, tio... a gente se vê pra uma pinga daqui um tempo.


Marcus Belmino Barbosa Evangelista, o Ponhonhô*
1937-2007

Inté...

* foto retirada do album do Silvinho.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tem vidas que são vividas com mais "acontecimentos" que outras. No fundo, todos tempos "acontecimentos", mesmo a rotina é um, talvez a gente devesse escolher ter mais acontecimentos intensos. Parar de sofrer tanto por causa daquele detalhe que não deu certo, e meter mais a cara onde precisa-se de coragem.

Adorei conhecer um pouco deste teu tio...

Um beijo