HOJE ESTAVA NO ACQUAVILLE, e o Leandro veio reclamar.
"Esse povo aqui do Acquaville ou é burro ou é doido..." "Por que, Leandro?" "Porque botaram um banco no meio da grama. E ali tem uma placa de proibido pisar na grama. Como é que eu vou chegar no banco? Voando?"
É RECORRENTE UM DEBATE COM MINHA NAMORADA SOBRE FILMES. Na discussão, ela acha que às vezes é bom um filme simplesmente divertido, onde você gaste um tempo para ver algo e achar legal. Eu normalmente defendo que o filme não deve ser apenas uma historinha divertida para passar o tempo. "Dizem" que o cinema é uma forma de arte, e como arte, a obra deve dizer algo, seja sobre uma idéia, seja sobre uma época ou apenas sobre o próprio artista. Quando a obra é realmente boa, ela também acaba dizendo algo sobre seu próprio observador/apreciador. E o melhor filme, eu argumento, é aquele que consegue fazer isso sem ser sobre isso. Filmes "advogados de causa" são documentários encenados. O bom filme é aquele que te faz pensar sem precisar pensar por você.
Não é fácil encontrar filmes assim no cinema tradicional americano (e é bem fácil encontrar filmes que pensam que são assim no cinema europeu e brasileiro). Mas as vezes encontramos. Com vontade de ir conhecer o cinema novo do "Belém Shopping" (Ex-Iguatemi), resolvi ir ver o filme novo da Pixar. Imaginei que ia ser muito divertido...
Veja aqui o trailer:
Wall-E é um filme fantástico. É desse tipo de filme que falo quando digo que um filme pode refletir sobre uma época, falar sobre algum tema sem soar panfletário (a maior parte do tempo, claro). Wall-E, o personagem (daqui por diante, vou chamar de Walle o personagem, e Wall-E o filme, para não confundir, ok?), nos faz pensar sobre o que está se fazendo nesse momento. A história do robozinho que fica na Terra sozinho para limpar um mundo afogado em lixo é uma reflexão fundamental sobre vários temas - desde a questão ambiental, o valor dado a objetos de consumo, até os relacionamentos interpessoais.
O espectador desatento pode passar batido sobre essas duas últimas questões. Mas Wall-E abusa muito bem das metáforas para criticar e refletir sobre o comportamento humano. Em uma cena, o robozinho acha uma caixinha de jóias, com um belíssimo anel de diamante dentro. Ele não tem dúvidas: joga o anel fora, e brinca com a caixa, muito mais interessante.
(pule esse parágrafo se não quiser saber spoilers sobre o filme)
Mais na frente, quando Walle viaja para a espaçonave onde os humanos estão refugiados, ele dá de cara com pessoas gordas e sedentárias, tão entrentidas com seus brinquedos tecnológicos e dedicadas a seguir a moda que sequer percebem uma pessoa com problemas na sua frente, ou olham para o lugar onde estão. Lá na nave, conhece um robozinho que, tentando realizar o que precisa, sofre para sair da linha e quabrar uma regra para seguir seu caminho.
(PODE VOLTAR A LER DAQUI)
Só marca bobeira quem acha que o filme trata-se de uma denúncia sobre o futuro, ou acha que trata-se de ficção científica. Bom, sim, é um filme de Ficção Científica, no sentido que se passa no futuro e seu personagem principal é um robô. Mas os temas do filme - o mundo sorterrado de lixo, o consumismo, a alienação do homem diante do mundo e do outro - são temas extremamente atuais. Os atos dos personagens que aparecem na terceira parte do filme, mais uma vez, são metáforas para as relações de hoje, onde pessoas entrentidas com seus brinquedos tecnológicos - que hoje talvez sejam laptops e ipods - acham estranho quando se permitem, pelo menos uma vez, tocar verdadeiramente uma nas outras.
Esteticamente, o filme é perfeito. Desde a paleta de cores, até os movimentos de câmera (sim! eles fazem isso em um filme de animação!) ao passo com o qual a história é contada é tudo muito bem feito.
Se eu pudesse falar mal de algo no filme (o que não me sinto 100% seguro para fazer), seria sobre o próprio personagem Walle. Veja só a carinha dele:
Sério... principalmente durante o começo do filme, mas em todo ele, eu olhava para o robozinho e tinha vontade de chorar. Acho que nunca numa animação conseguiram fazer um personagem tão expressivo quanto ele - e há de se lembrar que já fizeram animações em que o personagem tinha a cara do ator que faz sua voz. Wall-E, que por sinal não fala, só faz uma série de barulhinhos, interpreta muito melhor do que boa parte dos atores de Hollywood ou da Globo. Seu olhar caído, triste, transmite uma solidão que é difícil não se relacionar com ela. Junte isso a um bichinho curioso e muito, mas muito atrapalhado, e é lógico que eu achei ele minha cara. Como eu disse, é um filme que acaba falando não só de uma época, mas de seus espectadores (ou deste espectador específico) também.
O filme consegue falar de tudo isso em pouco mais de uma hora e meia de trapalhadas do robozinho, que se mete em muita confusão tentando ajudar todos que pode, de forma leve e divertida, sendo um excelente filme para ver com as crianças (que podem até achar o começo meio parado, mas vão se divertir bastante em sua última parte).
Para ser um filme complexo e falar de mais do que sua história, o filme não precisa ser chato. SEm Homem de Ferro, o grande industrial americano fica criando armas para destruir organizações terroristas que foram armadas por ele mesmo (alguém precisa que eu fale mais algo?). Depois de se divertir com explosões, sobra algo pra pensar.
Wall-E se destaca de outros filmes porque ele deixa mais do que um pensamento na cabeça. Mais do que um porque envolve várias coisas a se pensar. E mais do que um pensamento porque o fime se propõe a passar uma mensagem.
E, talvez mais importante, uma que vale a pena ser ouvida.
Inté,
A. N.
P.S: Juro que passo pelo menos umas duas semanas sem comentar mais de filmes... Só não prometo ficar calado depois de ver Cavaleiro das Trevas, que já estou esperando há um tempo, desde que disseram que o Coringa seria baseado no que aparece em a Piada Mortal. Embora o filme que eu mais esperava esse ano já tenha passado (Indiana Jones, meu herói de infância), ainda quero muito ver esse...
E chegamos à quarta mãozinha no contador1 Mais de mil acessos desde que o contador foi colocado, alguns meses atrás!
Obrigado aos meus ilustres visitantes, que devem ser uns 4 amigos, mas tudo bem! ;-)
O interessante é que, brincando menos com os quatro amigos, o blog tem sido acessado tanto do Brasil, quanto lido também em Portugal, com uma média de tempo no site suficiente para acreditar que ele REALMENTE é lido! Fora isso, com alguma surpresa o google analytics mostra o mapa abaixo:
Lógico, sei que algumas pessoas entram no Blog pelo google, às vezes procurando algo totalmente diferente daquilo que estão atrás (a página que as pessoas mais entram é "Desenvolvimento Sexual Infantil"... céus, eles não devem nem imaginar o que vão ler...). Mas fico imaginando, vendo os lugares de quem entra... Natal? Será a Foca? Recife... Manéu? Alguns cliques de Manaus... será que a _Maga (relocada do sul para o norte) ainda lê por aqui? Brunão, estás afastado do Já Fui Pirata, mas ainda dá seus pulos por aqui?
Agora, tem uns cantos que não conheço ninguém... Campo Grande? Cascavel, SC? Sete Lagos, MG? É a magia das internetes.
Os lugares de onde vem a maioria das pessoas, claro, é Belém (ganhando atualmente) e Fortaleza (os cearenses estão me esquecendo...).
Mas enfim, vamos nessa ainda escrevendo, às vezes algo interessante, às vezes algo um tanto patético... Mas, sempre, escrevendo...
SEMPRE RI DOS MENINOS DO ALBERGUE, que vão acampar de quando em vez. E, ao voltar, falam de como, ao acampar, eles reconhecem o valor do chuveiro quente, do fogão de verdade fazendo macarrão (em vez do fogareiro pra fazer miojo), e do vaso sanitário com o papel higiênico do lado. Aí eles me olham e dizem "Netão, você precisa vir! te faz dar outro valor às coisas". E eu respondo: "Obrigado, já dou muito valor à minha cama quentinha. Não preciso ficar ao relento pra saber como é bom um teto".
Hoje, fiquei com a mesma sensação. Assim, só pra filar uma pipoca, comecei a ver com a Amanda o filme Na Natureza Selvagem (Into the Wild, 2007 - Notas sobre ele no IMDB e no Omelete). Como um bom filme, ele enche os olhos e faz pensar...
Aliás, antes de continuar, sugiro que vá ver o filme. Vale a pena. Mas aqui vai o gostinho dele...
Na história, um garoto rico decide partir para uma viagem pelo interior americano, rumando para longe de tudo e todos. Cansado da sociedade que busca sempre "coisas", apoiado no Walden de Thoureau, decide que não aceita mais a hipocrisia estabelecida por todos ao seu redor. Quebra seus cartões de crédito e identidade, dá suas economias pra caridade e queima o pouco dinheiro que lhe resta. Ao longo do caminho, em direção ao "Alasca Alasca" (em oposição ao "Alasca Civilizado, onde eles tem mercados"), vai conhecendo uma série de pessoas que o ajudam desde nascer até ficar sábio.
Se me permite um comentário que não faz juz à beleza do filme, o resultado desse caminho é bastante previsível. Quando se encontra sozinho, no momento em que já vive há meses no Alasca sozinho, ele reconhece que "A felicidade precisa ser compartilhada". Que a forma como sua história é contada ao longo do filme, não é marcada ou divida pelos lugares que conhece, ou as coisas que nunca fez e toma coragem para atingir. Ela corre a partir das vidas de pessoas que vão passando pelo seu caminho.
Não quero comentar demais o filme, pois vale muito a pena assistir. O filme é lindo, tanto em termos de mensagem quanto esteticamente. Mas saí dele com a mesma sensação da conversa dos meninos que voltam de acampar.
Ao longo desse semestre, discuti várias vezes com os alunos das minhas disciplinas um ponto que o Emmanuel fala sempre. Foi a partir de algumas mudanças na forma como as pessoas se relacionam no dia a dia que passamos a ver o homem como alguém independente do mundo ao redor. Sou único, um indivíduo, que sou diferente "dos outros". Tenho sentido por mim mesmo, independente do mundo e que estou, das pessoas ao meu redor.
E nisso, as pessoas começam a acreditar nessa história. E começam a pensar em termos de "eu", e não em termos de "nós". Um sociólogo chamado Richard Sennett fala sobre como deixamos de pensar no mundo público,e nos concentramos cada vez mais na vida pessoal. Tudo - inclusive as relações pessoais - servem para nos satisfazer. Meu trabalho tem que ser algo que me dê dinheiro (para comprar coisas), as coisas servem para me dar prazer, assim como as pessoas com quem me envolvo.
Mas pessoas não são coisas, nem são mercadorias para nos satisfazer (assumindo, por um momento, que mercadorias servem pra isso). E, ao pensar assim, o homem moderno perde de vista que viver junto a outras pessoas - pelo simples fato de estar junto - é algo que vale a pena. Que fazer a diferença na vida de alguém é tão fundamental quanto alguém fazer diferença da sua vida.
É esse o erro do personagem do filme. Achar que é na vida em contato com a natureza que será encontrada o que falta em sua vida. Ao encarar que suas relações familiares estão com problemas, ele resolve que nenhum tipo de relação serve. E perde de vista outras possíveis construções que vai deixando pelo caminho.
O filme vale a pena para lembrar de olhar para onde importa... Algum tempo morando aqui em Belém já me fez aprender a isso - com base, como o personagem do filme, com alguns livros que me ensinaram a explicar o que sentia graças a algumas pessoas próximas e outras tantas distantes - e não precisei nem ir para os recantos distantes e selvagens do país para reconhecer isso (turma de Fortal: sem piadas por eu morar na Amazônia, por favor...).
Talvez por isso eu tenha ficado com a mesma sensação vendo o filme de quando os albeguianos voltavam dos acampamentos. Não preciso da solidão para dar valor às pessoas que estão do meu lado. Não preciso da distãncia para reconhecer o valor da proximidade... e não preciso perder algo pra saber o valor de o ter.
Não sei por onde aprendi isso, e pensando agora, até talvez tenha sido em uma das distâncias que vivi... Mas acho que hoje já olho mais para o lado, sem precisar ficar olhando pra trás.
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