terça-feira, 1 de julho de 2008

Na Natureza Selvagem

SEMPRE RI DOS MENINOS DO ALBERGUE, que vão acampar de quando em vez. E, ao voltar, falam de como, ao acampar, eles reconhecem o valor do chuveiro quente, do fogão de verdade fazendo macarrão (em vez do fogareiro pra fazer miojo), e do vaso sanitário com o papel higiênico do lado. Aí eles me olham e dizem "Netão, você precisa vir! te faz dar outro valor às coisas". E eu respondo: "Obrigado, já dou muito valor à minha cama quentinha. Não preciso ficar ao relento pra saber como é bom um teto".

Hoje, fiquei com a mesma sensação. Assim, só pra filar uma pipoca, comecei a ver com a Amanda o filme Na Natureza Selvagem (Into the Wild, 2007 - Notas sobre ele no IMDB e no Omelete). Como um bom filme, ele enche os olhos e faz pensar...

Aliás, antes de continuar, sugiro que vá ver o filme. Vale a pena. Mas aqui vai o gostinho dele...





Na história, um garoto rico decide partir para uma viagem pelo interior americano, rumando para longe de tudo e todos. Cansado da sociedade que busca sempre "coisas", apoiado no Walden de Thoureau, decide que não aceita mais a hipocrisia estabelecida por todos ao seu redor. Quebra seus cartões de crédito e identidade, dá suas economias pra caridade e queima o pouco dinheiro que lhe resta. Ao longo do caminho, em direção ao "Alasca Alasca" (em oposição ao "Alasca Civilizado, onde eles tem mercados"), vai conhecendo uma série de pessoas que o ajudam desde nascer até ficar sábio.

Se me permite um comentário que não faz juz à beleza do filme, o resultado desse caminho é bastante previsível. Quando se encontra sozinho, no momento em que já vive há meses no Alasca sozinho, ele reconhece que "A felicidade precisa ser compartilhada". Que a forma como sua história é contada ao longo do filme, não é marcada ou divida pelos lugares que conhece, ou as coisas que nunca fez e toma coragem para atingir. Ela corre a partir das vidas de pessoas que vão passando pelo seu caminho.

Não quero comentar demais o filme, pois vale muito a pena assistir. O filme é lindo, tanto em termos de mensagem quanto esteticamente. Mas saí dele com a mesma sensação da conversa dos meninos que voltam de acampar.

Ao longo desse semestre, discuti várias vezes com os alunos das minhas disciplinas um ponto que o Emmanuel fala sempre. Foi a partir de algumas mudanças na forma como as pessoas se relacionam no dia a dia que passamos a ver o homem como alguém independente do mundo ao redor. Sou único, um indivíduo, que sou diferente "dos outros". Tenho sentido por mim mesmo, independente do mundo e que estou, das pessoas ao meu redor.

E nisso, as pessoas começam a acreditar nessa história. E começam a pensar em termos de "eu", e não em termos de "nós". Um sociólogo chamado Richard Sennett fala sobre como deixamos de pensar no mundo público,e nos concentramos cada vez mais na vida pessoal. Tudo - inclusive as relações pessoais - servem para nos satisfazer. Meu trabalho tem que ser algo que me dê dinheiro (para comprar coisas), as coisas servem para me dar prazer, assim como as pessoas com quem me envolvo.

Mas pessoas não são coisas, nem são mercadorias para nos satisfazer (assumindo, por um momento, que mercadorias servem pra isso). E, ao pensar assim, o homem moderno perde de vista que viver junto a outras pessoas - pelo simples fato de estar junto - é algo que vale a pena. Que fazer a diferença na vida de alguém é tão fundamental quanto alguém fazer diferença da sua vida.

É esse o erro do personagem do filme. Achar que é na vida em contato com a natureza que será encontrada o que falta em sua vida. Ao encarar que suas relações familiares estão com problemas, ele resolve que nenhum tipo de relação serve. E perde de vista outras possíveis construções que vai deixando pelo caminho.

O filme vale a pena para lembrar de olhar para onde importa... Algum tempo morando aqui em Belém já me fez aprender a isso - com base, como o personagem do filme, com alguns livros que me ensinaram a explicar o que sentia graças a algumas pessoas próximas e outras tantas distantes - e não precisei nem ir para os recantos distantes e selvagens do país para reconhecer isso (turma de Fortal: sem piadas por eu morar na Amazônia, por favor...).

Talvez por isso eu tenha ficado com a mesma sensação vendo o filme de quando os albeguianos voltavam dos acampamentos. Não preciso da solidão para dar valor às pessoas que estão do meu lado. Não preciso da distãncia para reconhecer o valor da proximidade... e não preciso perder algo pra saber o valor de o ter.

Não sei por onde aprendi isso, e pensando agora, até talvez tenha sido em uma das distâncias que vivi... Mas acho que hoje já olho mais para o lado, sem precisar ficar olhando pra trás.

Enfim. Vá pra locadora. Veja o filme.

De preferência com alguém.

Inté,

A. N.

Um comentário:

Felipe Leite disse...

hmmm... parece bem interessante o filme, vou atrás dele.

"Não preciso da solidão para dar valor às pessoas que estão do meu lado. Não preciso da distãncia para reconhecer o valor da proximidade... e não preciso perder algo pra saber o valor de o ter."

gostei muito desse trecho do post, principalmente pq hoje me sinto exatamente dessa forma. hoje sei que reconheço o papel que as relações que mantenho com as pessoas ao meu redor tem na minha vida, e sei que elas ajudam a me definir em diversos níveis. aprendi isso meio que às duras penas, tentando ser mais independente e individualista... mas acabei descobrindo que a vida é mais feliz com algumas pessoas com o qual me relaciono.

Abração!